sexta-feira, 2 de agosto de 2013


UM DIA COMO OUTRO QUALQUER?

Felipe acordou com o gosto do travesseiro na boca. Literalmente.

Chegou em sua casa na madrugada tão anestesiado pelo que bebeu na noite anterior que ao desmaiar na cama caiu em perpetuo desacordar.

O travesseiro babado foi largado ao chão. O rosto sofreu com a água sendo jogada vivamente na pele.

Queria, precisava despertar. Sua memória lhe trazia flashes da noite anterior. A imagem de uma mulher lhe era recorrente.

Sentiu uma dor na boca e a imagem dela mordendo sua boca com tamanha vontade e tirar sangue de seu lábio o tomou como um trem descarrilado.

Já meio recomposto, sentou na cadeira e bebia o suco de laranja de caixinha vencido a dias. A blusa branca não passou incólume aos pensamentos vagos.

O estrago quando o celular tocou naquele ambiente hermeticamente mudo só não foi maior porque o copo era de plástico, o suco esparramado pelo chão. Não sabia se limpava o chão imediatamente, para não ficar com o piso grudento ou atendia o celular.

Sua hesitação foi patética, acabou pisando no suco e levando o estrago para a sala e quando chegou o celular já tinha parado de tocar.

O número no visor era de chamada bloqueada. Quem seria aquela hora? Pensou e a nenhuma conclusão chegou.

Olhou para a cozinha, para a sala e tomou a decisão que para ele era a mais acertada no momento. A meia foi tirada e jogada em um canto qualquer do chão convidativo.

O corpo quase tão inerte quanto ele foi alçado ao sofá que como um molde de modelar daqueles de criança se amoldou perfeitamente ao sofá.

Não se passaram nem 5 minutos e o interfone começou a tocar.

A ignorância ao som que repercutia repetidamente ou por simplesmente estar oscilando entre o sono, o sonho e a realidade, o fez deixar o chamado qual fosse a razão sem atendimento.

As mãos esfregaram os olhos. Quanto tempo dormiu? Do sofá tinha acesso à janela e a noite já tinha tomado conta da luz.

Estava tão perdido quanto no momento que o gosto do travesseiro invadiu seu paladar. Precisou respirar.

O celular quase o fez cair do sofá, sorriu ao ver o suco de laranja longe, dessa vez não, pensou.

Atendeu, e o silencio do outro lado da linha era em voz escutado, o que quebrava o silêncio era a respiração de quem quer que fosse.

Antes que pudesse dizer Alo, a linha caiu e o sinal de ocupado parecia tão alto como um congestionamento.

Que dia estranho estava tendo ou sua vida era essa bagunça, já não tinha mais certeza de nada.

Colocou uma roupa qualquer e pensou em dar uma volta. O desânimo foi desanimador quando viu seu carro batido na vaga que não era a sua.

O Zelador veio e ainda lhe deu um pito. Disse que ligou a noite toda, pelo interfone, para que colocasse o carro na vaga certa e que a vizinha estava louca da vida com esse fato.

Foi lá Felipe, em total desconserto, tocar na casa da vizinha para pedir desculpas. Se tivesse olhado no retrovisor do seu carro não teria ido. A camisa suja de suco, a calça surrada, o rosto denunciador do porre da noite anterior.

A campainha, tocou, uma, duas, três vezes. Presumiu que não havia ninguém.

Estava voltando para pegar o elevador, quando ouviu o barulho de chave.

A mulher enrolada em toalha o cabelo molhado.

Felipe, calou, mudo ficou, as palavras faltaram, gaguejou e não conseguiu articular nada.

A mulher que o conhecia de vista, percebeu do que se tratava, e ainda que quisesse dizer um caminhão de desaforo, riu, gargalhou.

Ele atônito, relaxou.

Enfim o som saiu de sua garganta e pediu desculpas. A noite passada mostrada em sua própria persona e imagem foi apresentada como desculpa.

A mulher por uma razão que até aquele ponto não pode ser considerada ou entendida por ninguém o convidou para entrar.

Assim, que entraram, ela deixou, a meu ver propositadamente a toalha cair e o corpo desenhado como se fosse por Michelangelo se revelou.

A blusa de suco foi ao chão assim como o suco no seu apartamento. Os corpos alucinados se encontravam, repuxavam, em uma espécie de briga e conciliação.

As bocas se beijavam com a mesma intensidade e no ritmo que Felipe a possuía. Intenso, Forte.

O grito mudo, abafado, foi tanto dele como dela. O gozo repetido, sequencial

A porta se fechou, e nem o nome dela ele soube.

Na semana seguinte uma carta da Administradora chegou em seu apartamento, fora multado por parar o carro na vaga que não a sua.

A mulher nunca soube o nome, mudou-se na mesma semana que chegou a multa.

Não mais comprou suco de laranja e o carro estava na concessionária para o conserto.

Até agora enquanto escrevo essas palavras, ele não se lembra da noite anterior ao dia mais estranhamente comum de sua vida.....


Um comentário: